Entidades cobram combate à violência política na eleição
- 06/08/2024
Em carta enviada nesta segunda-feira (5) aos partidos
políticos, entidades de defesa dos direitos humanos propõem medidas para o
enfrentamento à violência política de gênero e raça nas eleições de 2024. O
documento é assinado pelo Instituto Marielle Franco, movimento Mulheres Negras
Decidem, Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Eu Voto em Negra, Justiça
Global, Terra de Direitos, Observatório de Favelas, Coalizão Negra por
Direitos, Instituto Alziras e Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas.
Os movimentos defendem maior presença de mulheres negras e
periféricas defensoras dos direitos humanos no poder. “E precisamos que elas
não sejam interrompidas! Nestas eleições de 2024 temos a oportunidade de
garantir que as Câmaras de Vereadores e as prefeituras das nossas cidades
tenham mais mulheres, pessoas negras e faveladas que defendem nossos direitos,
para que os espaços de tomada de decisão tenham mais a cara do povo”, destaca a
carta assinada por mais de 1,5 mil pessoas.
O documento ressalta que a data de hoje – 5 de agosto de
2024 – é o marco do prazo para os partidos deliberarem sobre a formação de
coligações e sobre a escolha de candidatas/os aos cargos de prefeito,
vice-prefeito e vereador. “Até hoje, crescem os números de denúncia de casos de
violência política, e as mulheres negras seguem sub-representadas na política
institucional: de acordo com dados das eleições de 2020, elas contabilizam
apenas 6,3% nas câmaras legislativas e 5% nas prefeituras”, indica a carta.
A Lei nº 14.192/2021, aprovada em 4 de agosto de 2021 e
considerada a primeira sobre violência política, define que “toda ação, conduta
ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos
políticos da mulher” representa violência política contra a mulher.
O texto destaca ainda, que apesar da Lei de Violência
Política no Brasil ter sido aprovada em 2021 prevendo a responsabilidade dos
partidos políticos para prevenir a violência política de gênero e raça e
proteger as mulheres na política, isso não ocorre na realidade. “A maioria dos
partidos políticos continua negligenciando a necessidade de criação de
políticas internas de proteção e segurança efetivas para mulheres negras
candidatas e parlamentares, e descumprindo a lei de violência política. ”
No entendimento das organizações, não é possível atingir o
avanço da participação de mulheres negras nos espaços de poder sem que haja a
prevenção e o combate à violência política de gênero e raça.
A diretora executiva do Instituto Marielle Franco, Lígia Batista,
disse que o envio da carta aos partidos é uma ação que faz parte da campanha
Não Seremos Interrompidas, promovida pela organização em parceria com outras
representações da sociedade civil. “Tem como objetivo cobrar dos partidos
políticos compromissos e parâmetros para implementação das resoluções do TSE
[Tribunal Superior Eleitoral] e da Lei de Violência Política sobre mecanismos
de prevenção, proteção e acolhimento de denúncias de violência política”,
disse.
Conforme a legislação, no prazo de 120 dias, contado a
partir da publicação da nova lei, os partidos políticos deveriam adequar seus
estatutos ao disposto no seu texto. “Segundo a lei, o estatuto do partido deve
conter, entre outras, normas sobre prevenção, repressão e combate à violência
política contra a mulher. Todos os partidos políticos foram alertados para esse
prazo por meio de ofício expedido pela Procuradoria-Geral Eleitoral”, destaca a
carta.
O documento acrescenta que, depois de concluído o prazo para
adequação, a Procuradoria-Geral Eleitoral do Ministério Público Eleitoral
emitiu, 21 de fevereiro de 2022, uma recomendação aos diretórios nacionais dos
partidos políticos para que fizessem as alterações necessárias no estatuto
partidário em consonância com o disposto na lei, “valendo-se, para tanto, das
melhores orientações e práticas internacionais neste tema”.
A implementação dessa política pública, de fomento de maior
participação das mulheres na política, atende às recomendações e orientações de
organismos internacionais e dos tratados de que o Brasil é signatário, entre
eles, o Protocolo Modelo para Partidos Políticos: Prevenir, Atender, Sancionar
e Erradicar a Violência contra as Mulheres na Vida Política (Organização dos
Estados Americanos, 2019), e ainda a Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará).
Para Lígia Batista, a lei ainda precisa ser aperfeiçoada,
melhorada e aplicada, e, além da ampla disseminação das novas regras, são
essenciais o monitoramento e a responsabilização dos partidos políticos no
combate a essas formas de violência. “A eleição municipal se aproxima e
precisamos pautar o debate sobre violência política de gênero e raça e o que
ela significa para a vida de mulheres negras como Marielle, que tiveram sua
vida atravessada pela violência”, observou.
A carta aponta também o crescimento do extremismo de direita
na sociedade e em espaços de poder tanto no Brasil quanto em diversos outros
países. “Nesse contexto, os movimentos sociais, organizações da sociedade civil
e coletivos de mulheres negras transexuais, travestis e cis vêm protagonizando
a resistência a uma série de ataques antidemocráticos e fundamentalistas aos
nossos direitos a conquistas importantes, frutos de décadas de luta.”
Um dos retrocessos identificados pelas organizações que
prepararam a carta é o avanço da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 9,
aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados, no dia 11 de julho deste
ano, chamada de PEC da Anistia, que perdoa os partidos políticos que
descumpriram a Lei de Cotas de distribuição de recursos do Fundo Eleitoral e do
tempo de propaganda em rádio e TV no processo eleitoral de 2022.
“Esta PEC fragiliza a Justiça Eleitoral, reduz a integridade
dos partidos, além de representar um aval para que os partidos sigam
desconsiderando o racismo e a extrema desigualdade de gênero na representação
de mulheres e pessoas negras na política”, analisou.
Entre as recomendações, as organizações sociais e as pessoas
que assinam a carta pedem que os partidos políticos implementem medidas como
garantir um apoio financeiro adequado às pré-candidatas e candidatas vítimas de
violência política, “especialmente mulheres negras, trans, travestis e
defensoras de direitos humanos, reconhecendo a desigualdade no acesso a redes
de apoio e capacidade financeira para lidar com os impactos da violência
política”.
O texto pede também o cumprimento integral das recomendações
do TSE como divulgar o recebimento dos recursos financeiros do Fundo Especial
de Financiamento de Campanha (FEFC), por meio do diretório nacional do partido
político. Além dos recursos do FEFC, os partidos têm que fazer a distribuição
do tempo de propaganda para cumprir integralmente a Recomendação da
Procuradoria-Geral Eleitoral nº 1, de 14 dezembro de 2023, em relação às
eleições municipais de 2024.
A carta ressalta que os partidos precisam adotar medidas
“para prevenir represálias internas contra aquelas mulheres que apresentarem
queixas de assédio ou violência política cometida por integrantes da legenda.
Cabe ainda aos partidos o oferecimento de apoios jurídico e político em casos
de violência política".
EBC | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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