Emendas parlamentares pioram execução das políticas, diz especialista
- 26/08/2024
O aumento da execução do orçamento pelo Legislativo -
iniciado em 2015 por meio das emendas impositivas - piora a capacidade de
planejamento de políticas públicas e sua execução, reduzindo a eficiência na
prestação de serviços à população.
A avaliação é da assessora política do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (Inesc), Cléo Manhas, que trabalha nas áreas de orçamento,
direitos e justiça fiscal.
A especialista destacou que o dinheiro para emendas
impositivas não está previsto no Plano Plurianual (PPA), enfraquecendo o
planejamento do Executivo para executar políticas públicas uma vez que o
recurso na mão dos parlamentares é significativo – R$ 49,2 bilhões em 2024,
cerca de um quarto do total dos gastos não obrigatórios, que é o que a União
tem para investimentos.
“No PPA, o governo coloca suas promessas de campanha. Nele,
você tem quais são as prioridades, quais as metas e indicadores que você tem
que cumprir ano a ano. Aí vem os parlamentares que têm um recurso enorme e
mandam a seu bel prazer para onde eles quiserem. Com isso, a lógica da
programação e do planejamento fica em segundo plano”, explicou.
“Ao mesmo tempo que o Congresso aprova o PPA, ele contribui
para a retirada de recursos para que esse plano seja atendido”, completou.
Um estudo produzido pelo doutor em economia e pesquisador do
Insper Marcos Mendes, publicado em 2022, concluiu que a parte do orçamento sob
controle do Legislativo no Brasil é 20 vezes maior que na média dos países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Cléo Manhas defendeu que a execução dos recursos a partir do
parlamento não tem a mesma qualidade da produzida pelo Executivo.
“O Poder Legislativo não tem estrutura e não foi feito para
executar. Os órgãos de pesquisa são todos ligados ao Executivo. É nos
ministérios que está a capacidade de planejamento e a estrutura de execução das
políticas públicas”, destacou.
Por outro lado, os parlamentares argumentam que eles estão
nos estados e municípios e conhecem melhor as necessidades reais da população.
Entenda
As emendas impositivas individuais, de Comissão ou de
bancadas, são os recursos do orçamento que o Executivo tem a obrigação de
executar a partir da indicação dos parlamentares.
A suspensão das emendas impositivas dos parlamentares pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) reacendeu o debate sobre a execução do orçamento
no Brasil. Após o STF suspender o pagamento das emendas, um acordo foi firmado
entre os Poderes para ajustar a execução desses recursos respeitando a
transparência, rastreabilidade e eficácia desses gastos.
A ação do PSOL que deu origem à decisão afirma que a impositividade das emendas capturou o orçamento e bloqueou o planejamento e a coordenação das políticas públicas de forma eficiente, criando no Brasil, na prática, um regime semipresidencialista.
Comparação OCDE
O estudo do pesquisador Marcos Mendes feito a pedido do
Instituto Millenium comparando o Brasil à OCDE mostra a diferença entre a
execução do orçamento em diferentes países.
“Em outros 14 países, o legislativo não emendou o orçamento
ou o fez em montantes negligíveis, abaixo de 0,01% da despesa primária
discricionária. Há dez países em que essa mudança fica abaixo dos 2%. Somente
Estados Unidos, Eslováquia e Estônia aparecem acima dessa marca de 2%. Porém,
mesmo esses países estão longe do que ocorre no Brasil, onde nada menos que 24%
da despesa primária discricionária é alterada pelo parlamento”, afirma.
Emendas Pix
Além da eficiência, a transparência e rastreabilidade dos
recursos também estão sendo abordados pelo STF. Em dezembro de 2022, o Supremo
definiu que as emendas de relator – conhecidas como orçamento secreto – eram
inconstitucionais.
Porém, uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR)
argumenta que o Legislativo continua descumprindo a decisão, dessa vez por meio
das emendas especiais – ou emendas Pix – que permite a transferência direita de
dinheiro, sem necessidade de convênio ou projeto prévio.
A assessora política do Inesc Cléo Manhas destacou que o
recurso “entra no caixa único da prefeitura e a gente não sabe mais o que foi
feito desse recurso”.
Nesta semana, o ministro Flávio Dino enviou à
Procuradoria-Geral da República (PGR) lista de possíveis irregularidades no
pagamento das emendas parlamentares.
Legislativo
Os parlamentares reagiram contra as liminares do Supremo
apresentando um recurso assinado pela Câmara e Senado e mais 11 partidos.
Porém, por unanimidade, o STF manteve a suspensão das emendas.
Os partidos argumentam que “as decisões causam danos
irreparáveis à economia pública, à saúde, à segurança e à própria ordem
jurídica, além de violar patentemente a separação de poderes”.
O presidente da Câmara defendeu o modelo de execução vigente
no Brasil. “É sempre bom lembrar que o Orçamento não é do Executivo. O Orçamento
é votado pelo Congresso, por isso é lei. Sem o aval do Parlamento não tem
validade constitucional”, afirmou Arthur Lira.
Já o senador Rodrigo Pacheco justificou que desvio de
recursos ou mal uso de dinheiro público ocorrem em todos os formatos de execução
de políticas:
“Há uma série de possibilidades de que isso aconteça e isso
tem que ser coibido e reconhecido como exceções que precisam ser combatidas
pelos órgãos de controle. Mas não inviabilizar a execução orçamentária partindo
do pressuposto de que tudo está errado.”
Para Pacheco, as emendas individuais, de bancada e de
comissão são instrumentos legais e legítimos de participação orçamentária pelo
poder Legislativo, mas devem sofrer ajustes “para se buscar o máximo possível
de transparência, rastreabilidade e eficiência no gasto público”.
EBC | Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
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